Sabe o tsundoku (積ん読)1, o hábito de adquirir livros e deixá-los empilhados em casa sem lê-los? Pois notei que estou fazendo (e muita gente também) a mesma coisa aqui no Substack: subscrições e mais subscrições, um mundaréu delas, o que exigiria umas 25 ou 26 horas por dia (sic) de leitura ininterrupta pra dar conta.
Em se tratando de livros, especialmente em papel, a dinâmica aqui em casa tem estratégias diversas. A primeira delas: como o espaço é menor do que o da casa anterior, que por sua vez já não era dos maiores, o acordo comigo mesmo é o de que a partir de um certo número só entrará — e digo no futuro do presente do indicativo, sim, pois ainda tem espaço para mais alguns — um livro físico dos bons se algum mais ou menos sair, seja para escola, sebo, biblioteca ou “emprestado pra sempre”, confiando que minha memória seletiva relegará não o livro, mas sua posse ao esquecimento. Foi uma estratégia que exigiu alguma compreensão sobre as vicissitudes da (minha) vida, considerando que já me mudei algumas vezes não só de casa, mas de país, e com isso muitos livros foram ficando pelo caminho. Ou seja, nem sempre você e eu tivemos e/ou teremos condições de levar na mudança com a gente o acumulado na vida. (Já o que se acumulou de vida é diferente, tem prateleiras próprias.)
Outra estratégia, especialmente para livros mais, com o perdão da palavra, descartáveis, é adquirir a versão pro kindle ou encontrá-la em formato epub. Meu kindlezinho velho de guerra já tem centenas de títulos em sua memória, grande parte não lida, por supuesto, o que no caso tem uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é não ampliar a angústia de passar pela primeira pilha de livros não lidos na mesa de cabeceira, manuseados basicamente pra espanar-lhes a poeira, depois passar pela outra pilha no chão ao lado da mesa de cabeceira, a seguir por mais uma na escrivaninha, à esquerda do notebook, fora a outra, apenas uma criança, três livros ainda, à direita do mesmo computador.
A desvantagem é que se por um lado pareço livre da tal angústia de lidar com mais pilhas de livros não lidos espalhadas pela casa, visto que estão todos comprimidinhos em bits, bytes, kilo e megabytes naquele “caderno” pequeno e discreto que costuma ficar ao lado da xícara de café onde quer que eu esteja sentado, tampouco tenho a possibilidade de olhar, não com angústia e sim com o imenso prazer, para uma bela trupe de lombadas, capas, quartas capas e orelhas e ainda por cima sentir seu maravilhoso aroma, um blend de livros novos com antigos, muitos destes meio amarelados tanto pelo tempo quanto pela qualidade do papel, já que vários dos que adquiri foram de edições baratas, das de papel jornal, as únicas acessíveis para estudantes de recursos financeiros limitados que naquele momento da vida necessitavam mais do conteúdo do que da forma.
Outra estratégia consistia em frequentar bibliotecas. Não foi aquela que mais empreguei. É que, confesso, nunca fui muito assíduo, fosse porque tive o privilégio de viver rodeado de livros alheios quando morava com minha família, fosse porque as bibliotecas se encaixavam mais nas minhas necessidades acadêmicas tanto como estudante quanto na curta carreira de professor que me coube. Aliás, tendo deixado de lecionar em 2010, minha última experiência em bibliotecas deu-se em novembro de 2023, visitando a de Buenos Aires, não propriamente em busca de algum livro em especial, mas como ponto turístico mesmo, ouvindo uma guia incrível me contar de sua fundação, dos diversos momentos históricos pelos quais passou, mostrando algumas primeiras edições raras e marcantes e falando até sobre o estilo brutalista do seu projeto arquitetônico. (Tenho inclusive alguns registros fotográficos. Deixo só dois abaixo, que é pra não parecer conversa de pescador.)
Fora essa visita, as bibliotecas andam longe do meu cotidiano. E digo isso a título de constatação, sem tristeza, vergonha ou constrangimento. É o que é, ou melhor, é o que está sendo.
Mas comecei comentando sobre minha relação com a crescente coleção de subscrições que venho fazendo neste substack. Pois bem, a referência ao tsundoku é mesmo a que melhor descreve essa relação. Vez ou outra vou ler muitas newsletters e muitas notes sem perceber o passar das horas. Mas não será o que de mais comum ocorrerá e sei que vou perder diversas leituras interessantíssimas, mesmo aquelas com títulos tentadores. Tudo bem, não tem problema, pois aprendi por experiência própria que as pilhas de livros (e a coleção de subscrições) são meio lavoisieranas, “nada se perde, tudo se transforma”, quando muito se renovam e de vez em quando até mudam de lugar.
À leitura descompromissada, pois. E com café, que esse não pode faltar nem esfriar.
Das palavras tsunde — “empilhar” —, oku — mais ou menos como “deixar correr” — e doku — “ler”.
Nossa, Ricardo, você fez uma relação muito feliz! Eu sou acumuladora de livros, apesar de fazer trocas com amigos e empréstimos na biblioteca. E também assino um monte de news, e muitas vezes, perco várias edições pq elas se acumulam.
No meu íntimo, eu sigo com um sentimento de urgência. Como se precisasse ler tudo o que há de bom pra ler. Medo de morrer e não ter biblioteca no além 😅😅😅
criei o hábito de evitar livrarias (mesmo sites) para não comprar mais do que sou capaz de ler. mantenho uma pilha com cinco ou seis exemplares que em algum momento serão lidos. só então me permito comprar novos (abro exceções para lançamentos de conhecidos). uma vez lidos, vão para o espaço da estante que reservei para eles, que é limitado. em caso de superlotação, preciso fazer escolhas: para um entrar, algum outro precisa sair. recentemente, fiz um processo parecido com as newsletters. acho que agora sigo uma quantidade saudável delas, que consigo ler com a frequência com que são publicadas (considerando aí uma margem de dois ou três dias de “atraso”).